Contra-corrente

Eu sinto em meu corpo uma brisa fria, mas o dia está quente la fora. Há algumas estrelas solitárias no céu escuro sem a presença da lua. Sinto um cheiro entrar pela janela do quarto, é doce. No geral, faz silêncio, mas se eu me concentrar eu ouço os ruídos da vida que segue seu fluxo, la fora. Eu não faço mais parte. 

Minha pele cheira a sabonete, no meu recanto só há a penumbra e um vazio tão intenso que incomoda. Eu fecho os olhos, puxo o ar... quero que as palavras fluam mais uma vez e encontre o mais profundo abismo dentro de mim, trazendo essa dor que insiste em incomodar. 

Me pergunto o sentido de permanecer distante da vida lá fora. Me questiono o motivo de não me aproximar. Quando olho, parece que já faz alguns anos que deixei os remos e não controlo mais o rumo que eu sigo. Já faz algum tempo que me alimento dessa letargia e de pílulas para dormir que me causam insônia. Já faz algum tempo que estou perdida e caminhando sozinha. 

Eu não encontro as respostas, mas também não sei fazer as perguntas. Não há sincronia entre o desejo e a realidade. Olhando daqui, do alto, tudo parece ínfimo e irreal. Não faz mais sentido continuar buscando por coisas e sentimentos que já se perderam. Eu preciso encontrar uma luz no fim desse túnel, que me tire desse estágio entorpecente e me permita reagir. 

Eu preciso reagir, seja qual for o resultado, eu preciso emergir dessa dor e aplacar esse desespero. Isso não fica mais bonito no papel, nem nos poemas. A violência da angústia e da necessidade de estar “doente” não representa mais o que quer que eu seja. 

Por muito tempo eu só tinha dor, saudade, desespero. Uma saudade inquietante e barulhenta que ficou anos e anos sendo cultivada, regada todos os dias com as lembranças e as mais lindas canções. Por muito tempo eu me agarrei com tanta ânsia há uma dor... uma dor lancinante crescente, que irradia por cada centímetro do meu corpo. E o gosto pungente na boca sempre tinha o sabor de sangue e das lágrimas. 

E quando eu penso que se passou tanto tempo eu percebo que eu andei pelos espinhos. Pelos vales tortuosos e estradas de pedregulhos enquanto corria uma estrada pela tangente, eu só precisava olhar em outra direção, levantar a cabeça. Eu penso que se passou tanto tempo e eu dediquei cada um desses segundos a dor. A sentir a violência de esconder de mim mesma para não olhar para essa dor! De sentir o desespero que querer fugir, fugir e fugir para um lugar mais fundo, mais escuro, mais sangrento. 

Por muito tempo eu pensei que era nesse lugar de solidão que eu deveria estar. Eu precisava me esconder de mim mesma, eu não estava pronta para olhar em volta e procurar uma saída, porque eu fiquei tanto tempo no escuro que a luz faz meus olhos doerem. 

Eu fiz da dor uma amiga! Eu construi uma vida baseada na dor e na solidão. Eu alimentei todos os dias com a angústia, com o desespero, com sentimentos sombrios. Eu queria estar lá, nessa dor que já era conhecida. Que eu já sabia como lidar com ela, que eu já sabia que máscaras usar para esconder-la. Eu queria permanecer onde eu pudesse controlar, eu sabia exatamente como estancar e como alimentar essa dor para que ela me preenchesse... mas o que está doendo agora? 

Eu consigo sentir no vento o cheiro dos ipês floridos, mesmo que suas flores já estejam caídas. Eu consigo olhar as estrelas e saber que há milhões delas sob esse manto cinza escuro. Eu consigo lembrar do olhar, do sorriso, da voz cantando [...] é só o vento lá fora... 

O que está acontecendo em minha mente? Porque eu quero respostas que não sei as perguntas? Porque eu estou embaralhando os sentimentos e me forçando a sentir esse ar em meus pulmões enquanto meu sangue pulsa quente em meu corpo? O que estou sentindo? Frio? Formigamento? Esperança... de onde vem esse sentimento e o que ele quer me dizer. 

Me sinto confusa e sei que eu perdi o enredo do texto. Mas minha mente está tão confusa ultimamente que não consigo mais organizar essas ideias. Eu experimento um turbilhão de sensações que vago por dentro de mim, tentando encontrar uma saída. Eu me sinto tão presa, tão sufocada e ao mesmo tempo insistindo em estourar uma bolha e conhecer o lado de lá. Me sinto nadando contra a corrente, sozinha, mas pelo menos estar contra a corrente é uma direção não é? 

Talvez no meio dessa minha confusão, no meio desse mar de sentimentos a flor da pele e dessa confusão de emoções misturando todas as coisas... só talvez, mesmo estando contra a corrente, eu não esteja tão perdida assim. 

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