Dejavu

Eu fechei meus olhos enquanto a água morna do chuveiro caia sobre meus cabelos, fiquei por um tempo que me pareceu longo de mais apenas sentindo aquele frescor (quase frio) tentando de alguma forma "imbecil" que a água penetrasse em minha mente e bagunçasse alguns pensamentos. Inútil! Quanto mais eu me dedicava a esquecer, as lembranças afloravam como jardins em primavera, trazendo momentos tão vivos que, temi abri os olhos e ver que na verdade não estava apenas trancada sob o chuveiro. De repente uma canção passa a fazer parte da cena, continuo com os olhos fechados, temendo perder algum detalhe... mergulho naquela sensação de voltar ao passado, como se eu pudesse ver todas as formas e sombras, toda a cena de um momento se passa em minha mente como se meu espírito estivesse desprendido de meu corpo e simplesmente voltasse àquele instante. Era como se eu estivesse observando tudo de fora. 

Sentia a água escorrendo por meu corpo. Sentia o frio de estar inerte, mas não ousei a me mexer. Sentia as lágrimas quentes em meu rosto, de saudade, de dor, de desespero... de vontade de sair correndo e não só observar, mas fazer parte da cena. Mas eu estava lá. 
Por um momento eu me desconcentrei da estranheza daquilo tudo e fixei meu olhar na cena. Sentia meu corpo tremer. Podia vê-lo tão claro, tão vivo. Sentado sob uma árvore (que eu sei onde é), os fios de cabelo despenteados jogados sobre o rosto tão lindo. Aliás, nunca o vi tão calmo e sereno. Ele estava apenas parado, talvez descobrindo desenhos em nuvens, como costumávamos fazer sob aquela árvore linda.  (E ele só enxergava coelhos ou elefantes, vai ver é algum distúrbio psicológico). Eu temi me aproximar, por não sei quanto tempo, só fiquei ali olhando, parada... com o coração pulsando forte dentro do peito, as mãos tremendo, lágrimas nos olhos. 
Eu queria correr até onde ele estava, queria fazê-lo olhar pra mim... eu tinha tantas perguntas, mas ele parecia tão sereno observando os desenhos das nuvens que o coração pulsando na garganta me impediu de dizer qualquer coisa. Pra ser sincera, já não sabia mais o que era real ou imaginação. Lembro daquela cena, lembro das roupas que ele usava. Lembro da canção que tocava de um diskman, (e as vezes a gente arriscava a acompanhar o cantor e dava risadas quando errávamos a letra). Mas ele estava sozinho... eu queria ir até lá, mas algo me impedia. Ele sorria como uma criança, estava feliz de estar ali, como se aquele fosse um dos momentos que mais valeram a pena na vida (e realmente foi).
Dentro de mim ardia um misto de alegria e dor por estar ali, podendo observar todo aquele momento. Sentia o cheiro do sândalo que perfumava a cena. Eu cheguei mais perto, não tão perto quanto a ponto de tocá-lo, mas não tão longe a ponto de não senti-lo. Quase não suportava mais o pulsar dentro do peito, nem as lágrimas que inundavam meu rosto. De repente ele olhou para mim... como se soubesse que eu estava lá. Olhou com aquele brilho lindo nos olhos que quase já havia me esquecido, me olhou com o sorriso mais lindo que já pude ver em minha vida. E eu sempre lembro daquele sorriso, e era como se cada estrela estivesse sorrindo para mim e eu desejei que nunca mais houvesse uma noite sem elas.
Não eram mais os olhos emoldurados nas fotos nas paredes, mas era um olhar real, tão real quanto podia acreditar, e fiquei olhando naqueles olhos por muito... muito tempo, e nem sei dizer por quanto tempo me perdi naquele sorriso. Eu queria que ele dissesse alguma coisa, queria ouvir novamente a sua vós, eu tinha tanta coisa para dizer, eu tinha tanta coisa para perguntar que as palavras atropelavam uma as outras e ficavam por dizer... no silêncio do vento e das canções que entoavam baixinho por lá. Não sei sequer dizer o que sentia, não podia conter o ardor dentro do peito, era real? Era um devaneio? Era uma lembrança... 
Ele já havia voltado a olhar as nuvens no céu, mostrando algo, comentando algo que não conseguia ouvir, por mais que eu me esforçasse, ele apenas parecia se divertir com as formas, com o barulho do vento, com as folhas da árvore... ele apenas parecia se divertir... e começou a acompanhar, ainda olhando para as nuvens, a canção que melodiava do rádio. Ouvir o som daquela voz tão perto de mim me fez dilacerar ainda mais, eu estava a ponto de abraçá-lo tão forte que jamais o deixaria se perder de mim novamente. Ele continuava a cantar. Fiz menção de dizer algo, mas ele olhou para mim novamente e apenas repetiu o que a canção dizia: "Não estrague tudo com palavras, não importa onde eu esteja se eu estiver sempre em seu coração, e é exatamente onde quero estar"... 
Tudo ficou escuro, sem nenhuma cena, sem nenhuma árvore... sem ninguém. Estava de volta, inerte, com os cabelos encharcados da água do chuveiro e os olhos molhados das lágrimas que caiam frenéticas. Ainda tentei voltar, mas já não deu certo. Ainda tremia... e tentava entender porque não consegui dizer nada, se tudo poderia se resumir em "será que você vai saber o quanto penso em você, com o meu coração?"... 

Comentários

  1. Amiga que texto emocionante. Parece um daqueles relatos de encontros espirituais que as pessoas têm com seus entes queridos... Eu mesma já tive uma experiência assim em sonhos. Por mais que me digam que provavelmente foi uma criação da minha cabeça, não faz sentido, é difícil de explicar...

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  2. Olá, querida Marcela!

    Que escrito cheio de sentimento, de amor, de lágrimas. Posso sentir cada palavra. Sabe, são essas linhas que, cheias de emoções, que fazem-me acreditar no poder das palavras e que a língua é arma mais poderosa do mundo. Pelo que percebo, temos muito em comum. Talvez, eu suponho, um amor tão grandioso e que não foi correspondido.

    T.S. Frank
    www.cafequenteesherlock.blogspot.com

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