Saudade

Páginas irrisórias sem nenhum complemento.
As vezes passo horas e horas pensando em algo para descrever como eu estou me sentindo, mas fico sem saber. Quando o silêncio é mais violento que qualquer canção, ou quando a vida incomoda, arde no corpo uma sensação de fracasso, um medo incomum. É como se o ar, simplesmente se tornasse mais pesado e as sombras das paredes remetessem à uma imagem, tão distante que é quase inatingível, mas que está lá, presente na memória em forma de lembranças.
O vento uiva lá fora, convidando as árvores para uma dança arrítmica, e deixando a mistura de um perfume de flores e poeira no ar. Posso distinguir os sons dos movimentos acelerados que as rotinas roubam das pessoas, e posso imaginar seus passos e gestos, correndo contra o tempo para ao menos fazer parte de alguma coisa. Mas as imagens se perdem, os pensamentos se esvaem e hoje eu quero falar da saudade...
E falar de saudade sempre deixa um gosto desconfortável na boca, um silêncio incompreendido na alma e um vazio sem direção no olhar... mas a saudade permanece, contínua, crescente, tomando da alma qualquer força para se alimentar...
Sabiamente, Clarice Lispector , uma das mais renomadas escritoras brasileiras, disse: "saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas as vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."

Está tudo pelo avesso, e eu já pressentia isso. Tem coisas que são tão inevitáveis quanto viver. As respostas ressoadas, antes mesmo de haver perguntas, demonstram uma fraqueza inebriante. E eu já conheço esse enredo, mas porque ainda parece ser algo tão novo? O dia la fora está nublado, faz um frio confortável, um cheiro de chuva. Aqui dentro permanece as mascaras, tudo precisa sair perfeito, e as horas não passam. Ouço as velhas canções, são velhas lembranças, e os mesmos erros... os mesmos medos que não consigo explicar. Está tudo estranho aqui e já não sei dizer qual é o sentido. 
Fecho os olhos por alguns minutos. Volto à cena! O perfume que exala é o mesmo, as paisagens não mudam, só a ausência gritante no peito é que insiste em me trazer à realidade, gostaria de me perder nesse sonho, ao som dessa canção inebriante, à espera pela voz que me acalmava... mas tudo mudou de uma maneira irreversível e não adianta tentar esconder. 
Dentro do peito explode uma ansiedade incomum. Não sei se vem do dia tenso lá fora ou das incertezas dentro de mim, mas hoje parece que todas as formas conspiram para me levar exatamente onde eu sobrevivo para esquecer... e a dor é gritante na alma, que quase me faz paralisar diante dos meus pensamentos. Percorro o olhar pela janela e encontro cenas vazias, nada mais faz sentido neste palco quando o personagem principal não está mais em nenhum lugar.





Comentários

  1. Nossa muito ,muito lindo
    amei e ainda mais com uma citação de Clarice *-*

    ResponderExcluir
  2. ADOREI o texto, me identifiquei muito com ele, parabéns!

    ResponderExcluir
  3. =)


    seguidora fiel rsrsrs
    Nunca perca a sensibilidade com as palavras. bj

    ResponderExcluir
  4. Nossa.
    Este texto diz muito sobre algo que é tão comum pra tanta gente, mas especialmente para mim.
    existem coisas tão inevitáveis quanto viver, e não ter quem queremos por perto é sem dúvida uma delas,
    Saudade, esta palavra só existe em nosso vocabulário, não há tradução em outros idiomas para este sentimento por vezes tão presente.
    E mais do que sentir simplesmente falta, e algo que nos corrompe a vasculhar no passado pedaços de nós mesmos, quando ainda éramos inteiros.
    ah as lembranças, as canções... os timbres,as letras... isso testifica a saudade.
    Parabéns por tamanha sensibilidade.

    Abraço.

    ResponderExcluir
  5. Quase sempre vivemos ao avesso, nem sempre temos as respostas que queremos, a pessoa que amamos ou vivenciamos as situações que gostariamos de viver. Quanto mais procuramos encontrar sentido nos perdemos em meios a dúvidas, incertezas, traumas e dramas. Pode até não ser a única escolha, mas as vezes é melhor apenas ser levado pela maré e ver até onde vai.

    Abraço

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Todos os comentários são de responsabilidade individual e não representam a opinião da autora do blog.

Postagens mais visitadas deste blog

Uma carta na brisa para meu terapeuta (ou será para meu amigo)

Sobre: Escrevendo coisas novas no blog

Sobre: Criar expectativas de mais