Flores

Faz tempo que não escrevo. Meu espírito não quer brincar com as palavras, parece adormecido os sentimentos dentro do peito. Sinto-me relativamente bem, mas algo está estranho. É como se eu precisasse das palavras para sobreviver e, de repente elas desaparecem de mim. As coisas estão meio sem sentido. Coloco uma canção suave, daquelas cheias de lembranças, e começo a pensar. Ouço minha própria voz, desafinada, entoando alguns acordes e isso não tem mais sentindo. Aliás, pouca coisa tem. O silêncio é quase impregnante em mim, mas os sussurros da madrugada quebram o gelo, sinto a brisa morna do meu hálito, desejo a companhia que já não posso encontrar. Meus olhos estão molhados de saudade e meu corpo não obedece mais aos comandos. Tudo o que faço é me deitar de costas, olhando as estrelas mascaradas por algumas nuvens, ouvindo ao longe, em murmúrios uma canção triste e os ecos da noite solitária.
Eu sei que tudo isso vai passar. Mas existe uma dor dentro de mim que é inconstante. Sinto falta dos poemas em cores, do azul mais lindo como o mar, e do calor ardente em um sorriso. Nem dá para acreditar que faz tanto tempo assim, que os minutos se consomem em uma velocidade tão ardente, enquanto parece passar tão lentamente. Eu já não sei o que dizer, é só uma dor que dói no peito...
Daqui a pouco retorna o outono. As folhas já começam a cair e do horizonte sopra um vento fresco trazendo o perfume daqueles antigos jardins. Só eu que vi, ou o verão realmente acabou cedo de mais? Eu ligo a TV. Eu fecho os olhos. Tento distrair meus pensamentos, quando a saudade insiste em fazer assim, trazer os vestígios da memória em tudo que meus olhos são capaz de encontrar. Vejo as pessoas todas por aí, vivendo incansavelmente sem se importar, me pergunto até quando será assim. Ou porque tem que ser assim, mas eu não sei dizer.
Abro os olhos e tudo o que vejo são nuvens cinzas numa madrugada sombria. Lá embaixo a cidade se consome nos seus cantos sórdidos, com crianças perdidas nas esquinas, fruto da circunstancia violentada da vida, e é sempre assim, um dia após o outro e máscaras vagando por aí. Meu coração está sangrando, e ninguém parece conseguir ver. Todos esperam algo a mais de mim, mas não enxergam que há algum tempo eu parei de caminhar e o que resta, são espasmos, loucuras e pensamentos rabiscados em um papel manchado. Tudo o que restou foram pedaços de uma história incompleta, verões inacabados e primaveras escuras. Os jardins não foram plantados dessa vez, não hã como passar por lá, porque os ventos levaram tudo, e só trazem o cheiro, o perfume quase suave, do que não aconteceu.
Eu queria tentar um pouco mais, mas meu corpo pede para parar por aqui. Como se a dor imobilizasse minhas entranhas, me fizesse cair. Idealizo um adeus breve, com um sorriso falso estampado no rosto e permaneço ouvindo os pássaros da noite, com seu ruflar de asas sombrios, que alçam vôo em busca de um horizonte incerto. Insisto na solidão e na saudade, mesmo que todas as borboletas voem para longe do jardim, aliás, nem há mesmo mais jardins, então pra que sonhar com as flores, se agora é só outono, e vai ser assim por um longo tempo...

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